sábado, 16 de março de 2013

A.

A A. era uma mulher de força, de carácter, que poucos tiveram o privilégio de conhecer. Quem a conheceu não a esquece. São assim as grandes pessoas. Entram em nós, permanecem, ficam, entranham-se na nossa personalidade e na nossa existência.

Sinto como se nunca tivesse morrido, ido para um lugar onde pelo menos eu não a consigo ver. O que eu dava para a ver. Eu sei que ela está cá, entre nós, de algum modo, eu sei que ela tem que estar.

Mas gostava um dia de chegar a casa, de subir as escadas, de chamar pela gata que tinha desaparecido há uns anos e que eu continuava a procurar, de abrir a porta lá no alto e de ver o "sítio dos tesouros", onde ela estaria com a máquina de costura, com o livro aberto a aprender a ler e a escrever, ou na manta a cumprir com rigor os exercícios necessários a manter a linha e a saúde. Como eu gostava de amassar os coscorões, de passear ao ar livre, horas a fio, pela mão de uma das pessoas que mais moldou o que sou hoje.

A vida, a doença e a morte separou-nos fisicamente. Mas permanece sempre o amor, a saudade e as memórias de uma infância doce e profundamente feliz.

Sê inteiro

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.


Ricardo Reis